Fundamentos da apologética: quem precisa da apologética?
Laurence
Crutchlow defende que todos nós precisamos e explica como podemos começar.
Laurence Crutchlow é o editor-chefe da revista Nucleus
“Não é
suficiente apresentar o evangelho e deixar o Espírito Santo fazer o resto?”
“Para quê ficar
embrenhado a estudar teoria crítica quando a Sagrada Escritura é suficiente
para todas as nossas necessidades e dúvidas?”
“Nunca
ganharás alguém para o Reino de Deus com argumentação”.
Definido
amplamente como “argumentos fundamentados ou escritos a favor de algo", o
termo “apologética” vem do grego “apologia”, e traduz-se como “defesa
racional”. [2] Os cristãos geralmente baseiam o papel da apologética na
passagem de 1 Pedro: “Mas nos vossos corações, tenham Cristo como Senhor.
Estejam sempre preparados para dar resposta a todos os que vos pedirem para
explicar a razão da esperança que há em vós. Mas façam isso com mansidão e
respeito.” (1 Pedro 3:15) No entanto, como os hipotéticos comentaristas do
início deste artigo, podemos descartar erradamente a apologética. É claro que devemos estar conscientes das limitações da persuasão e do discurso, e
lembrarmo-nos de que Deus falou nestes últimos dias por meio do Seu Filho. [3]
Falar sobre a
fé cristã não é "apenas" uma questão de proclamar a verdade. Jesus
pregou e ensinou multidões, mas também ensinou em grupos mais pequenos ou
individualmente. Paulo falava nas sinagogas, mas também discutia a fé no
Areópago de Atenas [4] e nas casas das pessoas que o acolhiam. Fica claro, pela
forma como essas conversas estão registadas na Bíblia, que não são monólogos.
Portanto, a ordem de Pedro é certamente para todos nós. Devemos estar prontos
para explicar em que acreditamos e porquê. Apresentar essas razões conduz a
perguntas, e parece razoável que devamos saber respondê-las.
Como podemos “prepararmo-nos para dar uma resposta''?
Primeiro,
compreenda o que está a ser perguntado. Como médico de família, começo a
maioria das consultas com “Como posso ajudá-lo hoje?”. Às vezes, a resposta
inicial explica exatamente porque o paciente está ali. “Acho que tenho uma
infecção respiratória” ou “Disse-me para voltar agora para ver se os
comprimidos estão a funcionar, doutor”. Isso pode ser resolvido facilmente -
pelo menos, se o comprimido em questão não é um dos 20 na lista de medicamentos
(sim, isso realmente acontece - e não, realmente não deveria acontecer na
maioria dos casos!). Mas muitas vezes não é tão simples. Uma queixa sobre uma
área de pele seca, facilmente respondida, geralmente leva a uma pausa, seguida
por “Já que cá estou posso perguntar sobre …”, e a partir daí o real problema
que mais preocupa o paciente é discutido. Às vezes, trata-se de um problema de
saúde mental, outras vezes, uma preocupação profunda sobre doenças graves ou um
problema que pode causar constrangimento, como sintomas de uma infeção
sexualmente transmissível. Ouvir atentamente e fazer perguntas torna mais fácil
e rápido discernir o problema e reduz o risco de eles irem embora sem discutir
o que realmente os estava a incomodar. As discussões com amigos sobre a fé não
são muito diferentes. Ocasionalmente, alguém simplesmente aparece e pergunta em
que acreditamos ou como começamos a acreditar. Porém, com mais frequência, será
feita uma pergunta mais específica. Assim como na cirurgia, algumas perguntas
podem ser uma ponte para algo mais importante. Precisamos chegar ao problema
subjacente. O discernimento é vital.
Jesus uma vez
foi presenteado com uma moeda romana e questionado sobre o pagamento de
impostos. [5] A sua resposta a esta “armadilha” clara surpreendeu os ouvintes.
Mas acho que ele respondeu da forma que fez porque percebeu a motivação por
trás da pergunta. Se a pergunta tivesse vindo de um membro extremamente pobre
da sociedade, para quem esforçar-se para pagar o imposto era um problema
pessoal sério, o estilo da sua resposta poderia ter sido diferente, mesmo que a
conclusão subjacente a que ele chegou provavelmente tivesse sido a mesma. Um
exemplo dos nossos dias pode envolver discussões sobre a percepção de
incompatibilidade entre o Cristianismo e a evolução.
Para muitos que
perguntam, o problema não terá uma dimensão pessoal forte. De qualquer forma,
os cristãos não concordam necessariamente com uma única resposta, o que
significa que é fácil para o crente bem-intencionado defender a sua própria
posição, deixando pouco espaço para falar sobre Deus ou Jesus. Mas suponhamos
que quem questiona é um geneticista que está seriamente a explorar o
Cristianismo, mas preocupa-se com o facto de que parte do que vê não é
compatível com sua experiência científica. Quer a compreensão dele sobre tal
incompatibilidade seja correta ou não, essa é uma questão muito mais séria e
pessoal para ele, e a nossa abordagem da conversa provavelmente será muito
diferente. Embora muito tenha sido escrito sobre o sofrimento e a fé cristã a
partir de uma perspectiva intelectual, uma questão aparentemente técnica a este
respeito pode indicar um problema profundo e contínuo, como o luto ou uma
doença crónica. Perguntas sobre ética sexual ou questões de género podem ser
muito semelhantes. É um bom princípio presumir que qualquer pergunta é sobre
algo pessoal, a menos que fique claro que esse não é o caso.
Ao ouvir
atentamente as perguntas, discerniremos quais são os problemas reais e seremos
mais úteis; também identificaremos objetivos ocultos ou sofrimento e seremos
sensíveis a eles. Muito importante também é conhecer o evangelho e ser capaz de
apresentar os pontos principais com clareza. Isso pode parecer óbvio, mas é
surpreendente como muitos cristãos acham isso difícil de fazer. Frequentemente
damos a oportunidade de tentar apresentar um “evangelho de dois minutos” logo
no início, ao fazer uma formação de evangelismo para estudantes cristãos, e
muito poucos acham isso fácil. Mesmo que conheçamos o básico, a maioria de nós
acha difícil falar sobre pecado ou julgamento, embora saibamos que eles são
importantes.
Jesus é
claramente o centro do evangelho, mas sem menção de julgamento ou pecado, o
evangelho está incompleto e, de fato, intelectualmente incoerente. Um plano
para nos ajudar a apresentar os pontos-chave ajuda-nos a evitar omitir aspetos essenciais e garante que manteremos Jesus no centro do que dizemos. Existem muitos
“esboços do evangelho” que as pessoas usam para fazer isso - um exemplo que
frequentemente usamos na CMF é “Deus-Homem-Deus”, que descrevo em mais detalhes
em um artigo para caloiros. [6] Os que apreciam imagens podem preferir “Two
Ways to Live”, [7] outros podem querer usar a proposta “3 2 1” de Glen
Scrivener. [8]
Em segundo
lugar, devemos acertar na pergunta "final" ou principal. Embora muitas questões
intelectuais sejam levantadas sobre o cristianismo, em última análise, a
verdade ou não da fé cristã depende da ressurreição de Jesus. [9] Conheça os
fundamentos das evidências. Isso já foi abordado com alguma profundidade
anteriormente na Nucleus, [10,11] e o bethinking.org é outro bom recurso.
Terceiro,
precisamos de estar preparados para responder às questões levantadas. Isso pode
não ser um desafio tão grande quanto pensamos. Parece haver um número quase
infinito de coisas que poderiam ser perguntadas sobre a nossa fé. Mas a
experiência sugere que, pelo menos em uma cultura e época específicas, é
provável que as mesmas perguntas continuem surgindo. A preparação não é muito
diferente da revisão para os exames da faculdade. Depois dos meus exames do
terceiro ano, a questão que mais discussão levantou após o exame, era se um
paciente com tosse deveria deixar de ter um papagaio de estimação, alegando que
ele poderia ter ornitose. A maior parte daquele exame há muito esquecido
foi acerca de condições comuns: doença cardíaca isquémica, diabetes, DPOC. Mas aquelas
perguntas não ficaram na minha mente como a do papagaio!
Eu e os meus
amigos compartilhávamos o interesse muito comum dos estudantes de medicina de
tentar descobrir a condição clínica mais rara encontrada no hospital, seguros
de que ela seria perguntada, mas é claro que essas questões não apareciam
realmente nos exames com muita frequência - o que acontecia era que o viés de
memória fazia que sempre nos lembrássemos delas quando apareciam. Não é muito
diferente quando olhamos para as objeções comuns à fé cristã. Se quiseres
aperfeiçoar a tua teoria sobre o significado exato dos dez chifres do dragão em
Apocalipse [12] estás à vontade, caso alguém pergunte sobre isso, mas na
realidade, é melhor concentrares-te nos tópicos que têm mais probabilidade de
surgir. As conversas com os estudantes da CMF ao longo do ano sugerem que as
perguntas mais comuns que um estudante de medicina provavelmente fará se
concentram em:
·
sexualidade e género,
·
sofrimento
·
ciência e fé
·
a natureza de Deus (ex: “será Deus um monstro moral?”)
·
Jesus é o único caminho para Deus? (incluindo outras religiões e
ateísmo)
·
a Bíblia é confiável?
Há muito
material disponível sobre todos esses tópicos. Por favor, vê a tabela de
recursos no final do artigo
Como tudo isso pode ajudar?
Supondo que
fizemos todas essas coisas, qual poderá ser o resultado?
Geralmente
achamos que a apologética é para os outros. O estudo nos ajudará a sermos
capazes de dar uma resposta mais clara e coerente quando formos questionados
sobre a esperança que há em nós. O Espírito Santo, é claro, trabalha nessas
conversas também, mas a Bíblia parece ensinar claramente de que devemos
aprender e crescer no nosso conhecimento e entendimento, à medida que Ele
trabalha em nós.
Mas não será a
apologética igualmente importante para os cristãos? A vida de qualquer
estudante da área de saúde envolverá situações que tornam as questões sobre o
sofrimento ou a identidade de género muito reais e pessoais. Se tivermos
considerado o que as Escrituras dizem sobre essas coisas antecipadamente,
estaremos muito melhor preparados para confiar em Deus ao lidar com essas
questões; como resultado, teremos muito menos probabilidade de sermos desviados
do caminho quando os desafios vierem.
De fato, seria
um testemunho cristão muito raro passar por uma vida de fé sem nunca ter
dúvidas sobre nossas crenças. Acreditamos no Cristianismo porque é verdade.
Conhecer as evidências por trás das nossas crenças deve ajudar a manter a nossa fé
em tempos difíceis, em que talvez não sintamos que tudo é verdade, mas ainda
assim saberemos que as palavras de Jesus são verdades eternas.
Recursos de leitura adicional
·
Crutchlow
L. Why sexuality? Nucleus May 2017 bit.ly/2U6WeHO
·
Palmer B.
Is science opposed to religion? Nucleus May 2020 bit.ly/3lc1xBp
·
Cattermole
G. Is God helpless or heartless? Nucleus November 2012 bit.ly/36fCW8L
·
Anon. Is
God a genocidal monster? (Part 1). Nucleus September 2013 bit.ly/3n5GMId
·
Anon. Is
God a genocidal monster? (Part 2). Nucleus January 2014 bit.ly/2GGlp0H
·
Pickering
M, Saunders P. Deadly questions: Is Jesus the only way? Nucleus
November 2001 bit.ly/35bZWpU
·
Pickering
M, Saunders P. Deadly questions: Isn't the Bible full of errors? Nucleus
June 2002 bit.ly/2U5S42L
Referências
1. lexico.com. bit.ly/36kus09
2. theocca.org/what-is-apologetics
3. Hebreus 1: 1-3
4. Atos 17: 16-34
5. Marcos 12: 13-17
6. Crutchlow L. God-Man-God … A basic gospel outline. Nucleus Freshers' Edition bit.ly/2Igmlcq
9. 1 Coríntios 15:14
10. Knight C. Apologetics 6: Scripture and the resurrection. Nucleus September 2014 bit.ly/3keMs0G
11. Knight C. Apologetics 7: The resurrection. Nucleus January 2015 bit.ly/2IgmzjM
Tradução: Carla
Lima. Revisão Jorge Cruz e Lilian Calaim